11 de abril de 2021

Estórias do mês: conhecer “As freiras”

Por vezes ficamos presos a memórias passadas, numa espécie de limbo com incertezas que se perpetuam no tempo sem que sejamos capazes de encontrar respostas. Temos clara consciência e discernimento sobre o que aprendemos e, retemos o essencial das palavras orais. Na minha infância, vivida em grande parte na zona do Bom Jesus, ouvia dizer ao meu avô materno - nascido em 1909 – e a outras pessoas vizinhas que a Casa Alta, sita próximo da igreja do Bom Jesus em Castelo de Vide, tinha servido como convento de freiras. Nesse mesmo prédio há vestígios de amplo espaço religioso, que eu visitei em criança, a deslado da ladeira que dá acesso ao Bairro das Freiras próximo da linha de água que atravessa esse prédio.
Casa Alta foi convento de freiras?
Mas que história é essa das freiras que pouco se sabe?, interrogam-se os Castelo-Videnses. Sabemos de fonte segura que o espaço interno do inusitado imóvel antes indicado – pela volumetria – apresenta vasta cozinha e tecto abobadado. As outras estruturas (nas fotografias que se anexam) parecem configurar três espaços distintos: oratório subterrâneo, estreito e alongado com abóboda de berço e pórtico granítico com arco de volta perfeita. Apresenta quatro nichos laterais (2+2) e um central desprovidos de qualquer conteúdo. A decoração é em alto relevo com motivos geométricos e florais e pintura policromática. Primitivamente possuiriam, garantidamente, algumas imagens religiosas as quais já não aparecem nas fotografias dos anos 40 do séc. XX. Talvez estejamos em presença de um programa artístico executado em finais do século XVIII e a primeira metade da centúria seguinte. O acesso faz-se por uma zona de planta rectangular, murada pela qual se entra por vão central, rectangular e monumental, que tinha portão em ferro. “(…). Vozes do povo afirmam que ali existia um cemitério.” (Busca, 1995). Fronteiros a este portão há dois patamares distintos com escadarias de pedra que dão para uma zona inferior que seria espaço de horta. Corrobora esta afirmação, o facto de junto à parede do caminho haver uma nora e um tanque.
Silos e lendas de túneis subterrâneos
Comparativamente, entre as imagens realizadas por António Passaporte, e as mais recentes não verificamos, felizmente, diferenças substanciais no estado de conservação das ditas estruturas. Perdura na memória colectiva da população mais idosa a lenda que diz da existência de um túnel subterrâneo a ligar o antigo convento de frades de S. João de Deus, na Senhora da Vitória, à referida Casa Alta. Mito ou realidade? Tratar-se-á, como se verificou na Sinagoga e na Casa de Matos, de silos (estruturas negativas) que a memória popular associou a túneis?
Ruínas no Alto das Freiras não são igreja ou ermida
Curiosamente, é através da modesta, mas oportuna obra do senhor Herculano Busca intitulada: “Castelo de Vide - As Raízes e a Arquitectura Religiosa - As minhas igrejas” e publicada em 1995, que apuramos os registo escritos sobre o tema. Também, nesse trabalho, se comenta que as ruínas de uma estrutura outrora coberta, muito próxima da uma eira, junto ao Alto das Freiras teria sido a igreja! do dito convento. O sr. Francisco Paixão fez, recentemente, o favor de nos acompanhar e indicar essas ruínas, localizadas bastante próximo da eira do Bairro das Freiras. Dificilmente alguém reconhece tratar-se de uma igreja ou ermida…
Topónimos “Freiras” no concelho
Nos registos do cadastro predial do concelho de Castelo de Vide surgem, em área rural, o topónimo “Freiras” sozinho ou associado. Está indicado em prédios na Freguesia de S. João Baptista: “Tapada das Freiras”; em Sta Maria da Devesa como “Alto das Freiras” e “Freiras” e em Póvoa e Meadas o prédio “Vale de Freiras”.
Três conventos locais
“Três foram os conventos de que se encontram notícias, nos arquivos e cartórios desta vila. O convento de Santa Catarina, vulgarmente conhecido pelo nome de Convento da Senhora da Alegria, no castelo, o de São Francisco, na Conceição e o de São João de Deus na Senhora da Victória.” (Repenicado, 1965). No Diccionario Geografico de 1751 e, também, nas Memórias Paroquiais de 1758 não há qualquer referência ao Convento das Freiras. Visualizamos alguns mapas dos séculos XVIII e XIX e a área em análise acaba por corresponder ao limite de alguns desses documentos inviabilizando o conhecimento. As imagens fotográficas monocromáticas correspondem à colecção (numerados de 41 a 86) de postais ilustrados de António Passaporte e realizados em meados do séc. XX. Pensamos não terem sido editados. As outras correspondem a imagens de arquivo deste Serviço Municipal.
Obra inacabada?
Mas, e então?! Teria o lugar sido sacralizado? Com excepção da Casa Alta, e atendendo ao sobredito quer-nos parecer que estamos em presença de uma obra inacabada. Há a necessidade de se proceder a novas pesquisas em fundos arquivísticos da igreja, do arquivo histórico da vila, abordar antigos e actuais proprietários, porque mesmo tratando-se de um projecto com investimento privado (!?) era algo fora do comum para não ser aludido. Também a arqueologia poderá, eventualmente, dar resposta a algumas interrogações que esses espaços suscitam.
Castelo de Vide, 19 de Março de 2021.
J. Magusto (Câmara Municipal de Castelo de Vide) 
com a colaboração de Patrícia Martins, António Manso, Nuno Félix e Paulo Morais.
(Subtítulos da responsabilidade da redação do NCV)

Sem comentários: