6 de outubro de 2018

Passam hoje sessenta e sete anos…

Desenho de Adolfo Marmelo. Projecto do arquitecto Camilo Korrodi
com colaboração do Dr. Adolfo Bugalho.
Castelo de Vide, Jardim Garcia de Orta, ano de 1951, primeiros dias do mês de Outubro. Defronte de um monumento, que nesse horto público estava a ser erigido, foi montada à maneira de uma tenda para o proteger, não dos olhares dos mirones que aí acorriam, e muitos eram eles, mas para acautelar o delicado e artístico trabalho que o senhor Adolfo Marmelo vinha executando, dourar as letras gravadas naqueles blocos de granito. Eram os últimos retoques, a inauguração do monumento - glorieta estava para breve.
Mas, ou porque foi subestimado o custo dos materiais usados pelo dourador ou fosse lá pelo que fosse, nunca para pagamento ao Sr. Adolfo pelo seu artístico trabalho, que o fez gratuitamente, o dinheiro acabou. Valeu, então, a boa vontade e generosidade dos elementos do “Grupo Cénico da S.R.1º Dezembro” que, ainda não eram decorridos quinze dias, tinham levado à cena, num palco montado no jardim grande, o “Auto da Alma” de Gil Vicente, da verba auferida com a receita da bilheteira da representação lá saiu a importância para a conclusão dos trabalhos. Tão boa vontade como a do grupo de teatro, parece não terem tido os serviços municipalizados competentes, ao ser-lhes solicitado um reforço da iluminação pública do jardim. Tardaram em concretizar tal solicitação. Chegado o dia 6 do mesmo mês de Outubro, grande e solene festividade em Castelo de Vide: bandas filarmónicas contavam-se três, as duas locais e uma vinda de Portalegre, os estandartes das agremiações locais, ilustres convidados e muito povo. 
Arquivo fotográfico Geraldo Calha.
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A meio da tarde esta numerosa e ilustre comitiva, dirigiu-se para o jardim Garcia de Orta para inaugurar o novo monumento, projecto do arquitecto Camilo Korrodi com colaboração do Dr. Adolfo Bugalho, assim quiseram os castelovidenses perpetuar a memória de três ilustres médicos seus conterrâneos: Garcia de Orta, Morato Roma e José António Serrano. Descerraram a artística obra os doutores Francisco Gentil e Henrique Vilhena, professores na faculdade de medicina da universidade de Lisboa, tendo, ambos, proferido alocuções alusivas àquele ato solene. 
O segundo orador referindo-se ao monumento que acabava de ser inaugurado disse. “… Ontem, e perdoai estas palavras desataviadas, fiquei encantado quando o vi, e encantado, bem o podeis supor, continuo. O artista que ideou e aqueles que mais contribuíram para a sua conceção e elaboração, e perdoai que não cite nomes, porém todos os conhecem, realizaram uma obra cheia de beleza, de nobreza e de força ou grandeza, pela sua simplicidade, sobriedade e equilíbrio, direitura e pureza de linhas, sujeição dos temas arquitetorais mais característicos da velha e ínclita povoação, do ínclito e velho burgo, desprendimento e libertação dos motivos convencionais, exclusão de qualquer elemento de boniteza e de catitismo, integração e ao mesmo tempo natural destaque não só no seu ambiente próximo como no mais largo e extenso. E todo ele impõe um sentimento de perpetuidade, que parece vir de longe e que ficará para o longo futuro, só por si e por aqueles que representa…”. Palavras do ilustre anatomista que foi discípulo de um dos glorificados no monumento que acabava de ser inaugurado, o Doutor José António Serrano. 
Arquivo fotográfico Geraldo Calha.
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Maqueta em madeira executada por Júlio José Rabaça
Decorridos alguns dias após essa data festiva que se viveu em Castelo de Vide, muita gente se detinha frente à montra da papelaria “A Lisbonense”, onde o senhor Augusto, seu proprietário, a decorava com livros, canetas, lapiseiras, furadores de papel, caixas de rolos de película fotográfica, enfim, todos o artigos que pretendia publicitar. Agora o motivo do aumento do número de pessoas que se acercavam da montra era outro, apreciar uma réplica miniatura do recém inaugurado monumento, construída em madeira, cujo executor foi o castelovidense senhor Júlio José Rabaça. Desconheço se tal miniatura ainda existe, o monumento que lhe serviu de modelo, esse, lá está no jardim Garcia de Orta cumprindo o sentimento de perpetuidade que o mestre de anatomia lhe profetizou.
Castelo de Vide em Outubro de 2018
João Calha
(Breves considerações acerca das imagens. As duas fotografias foram tiradas durante o ato inaugural do monumento. Numa delas vê-se o Prof. Doutor Henrique Vilhena a proferir a sua alocução, na outra por entre os professores da F.M.U.L. e outras personalidades vêem-se o Dr. Adolfo Bugalho, o Dr. João Rolo e o Dr. Amadeu Canário, médicos que exerceram a sua profissão em Castelo de Vide e, integravam a comissão promotora das homenagens aos três médicos cientistas viticastrenses.
O desenho do monumento-glorieta é assinado pelo senhor Adolfo Marmelo, que como acima se disse dourou as letras que formam as palavras das informações biográficas e bibliográficas dos homenageados.
Bibliografia consultada - “Três médicos cientistas naturais de Castelo de Vide” P. M. Laranjo Coelho
Desenho do monumento da autoria de Adolfo Marmelo – cortesia dos serviços técnicos da CMCV
Fotografias da inauguração do monumento - “arquivo fotográfico Geraldo Calha”
Outras fontes de informação – conversas informais com o meu amigo senhor Mário B. Rainho. 
Uma palavra de agradecimento para o Dr. Rui Bengala do gabinete CLDS 3G Castelo de Vide pela edição da imagem do desenho. 

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