Desenho de Adolfo Marmelo. Projecto do arquitecto Camilo Korrodi com colaboração do Dr. Adolfo Bugalho. |
Castelo de Vide, Jardim Garcia de Orta, ano de 1951, primeiros dias do mês de Outubro. Defronte de um monumento, que nesse horto público estava a ser erigido, foi montada à maneira de uma tenda para o proteger, não dos olhares dos mirones que aí acorriam, e muitos eram eles, mas para acautelar o delicado e artístico trabalho que o senhor Adolfo Marmelo vinha executando, dourar as letras gravadas naqueles blocos de granito. Eram os últimos retoques, a inauguração do monumento - glorieta estava para breve.
Mas, ou porque foi subestimado o custo dos materiais usados pelo dourador ou fosse lá pelo que fosse, nunca para pagamento ao Sr. Adolfo pelo seu artístico trabalho, que o fez gratuitamente, o dinheiro acabou. Valeu, então, a boa vontade e generosidade dos elementos do “Grupo Cénico da S.R.1º Dezembro” que, ainda não eram decorridos quinze dias, tinham levado à cena, num palco montado no jardim grande, o “Auto da Alma” de Gil Vicente, da verba auferida com a receita da bilheteira da representação lá saiu a importância para a conclusão dos trabalhos. Tão boa vontade como a do grupo de teatro, parece não terem tido os serviços municipalizados competentes, ao ser-lhes solicitado um reforço da iluminação pública do jardim. Tardaram em concretizar tal solicitação. Chegado o dia 6 do mesmo mês de Outubro, grande e solene festividade em Castelo de Vide: bandas filarmónicas contavam-se três, as duas locais e uma vinda de Portalegre, os estandartes das agremiações locais, ilustres convidados e muito povo.
Arquivo fotográfico Geraldo Calha. Clicar na imagem para ampliar. |
A meio da tarde esta numerosa e ilustre comitiva, dirigiu-se para o jardim Garcia de Orta para inaugurar o novo monumento, projecto do arquitecto Camilo Korrodi com colaboração do Dr. Adolfo Bugalho, assim quiseram os castelovidenses perpetuar a memória de três ilustres médicos seus conterrâneos: Garcia de Orta, Morato Roma e José António Serrano. Descerraram a artística obra os doutores Francisco Gentil e Henrique Vilhena, professores na faculdade de medicina da universidade de Lisboa, tendo, ambos, proferido alocuções alusivas àquele ato solene.
O segundo orador referindo-se ao monumento que acabava de ser inaugurado disse. “… Ontem, e perdoai estas palavras desataviadas, fiquei encantado quando o vi, e encantado, bem o podeis supor, continuo. O artista que ideou e aqueles que mais contribuíram para a sua conceção e elaboração, e perdoai que não cite nomes, porém todos os conhecem, realizaram uma obra cheia de beleza, de nobreza e de força ou grandeza, pela sua simplicidade, sobriedade e equilíbrio, direitura e pureza de linhas, sujeição dos temas arquitetorais mais característicos da velha e ínclita povoação, do ínclito e velho burgo, desprendimento e libertação dos motivos convencionais, exclusão de qualquer elemento de boniteza e de catitismo, integração e ao mesmo tempo natural destaque não só no seu ambiente próximo como no mais largo e extenso. E todo ele impõe um sentimento de perpetuidade, que parece vir de longe e que ficará para o longo futuro, só por si e por aqueles que representa…”. Palavras do ilustre anatomista que foi discípulo de um dos glorificados no monumento que acabava de ser inaugurado, o Doutor José António Serrano.
Arquivo fotográfico Geraldo Calha. Clicar na imagem para ampliar. |
Maqueta em madeira executada por Júlio José Rabaça
Decorridos alguns dias após essa data festiva que se viveu em Castelo de Vide, muita gente se detinha frente à montra da papelaria “A Lisbonense”, onde o senhor Augusto, seu proprietário, a decorava com livros, canetas, lapiseiras, furadores de papel, caixas de rolos de película fotográfica, enfim, todos o artigos que pretendia publicitar. Agora o motivo do aumento do número de pessoas que se acercavam da montra era outro, apreciar uma réplica miniatura do recém inaugurado monumento, construída em madeira, cujo executor foi o castelovidense senhor Júlio José Rabaça. Desconheço se tal miniatura ainda existe, o monumento que lhe serviu de modelo, esse, lá está no jardim Garcia de Orta cumprindo o sentimento de perpetuidade que o mestre de anatomia lhe profetizou.
Castelo de Vide em Outubro de 2018
João Calha
(Breves considerações acerca das imagens. As duas fotografias foram tiradas durante o ato inaugural do monumento. Numa delas vê-se o Prof. Doutor Henrique Vilhena a proferir a sua alocução, na outra por entre os professores da F.M.U.L. e outras personalidades vêem-se o Dr. Adolfo Bugalho, o Dr. João Rolo e o Dr. Amadeu Canário, médicos que exerceram a sua profissão em Castelo de Vide e, integravam a comissão promotora das homenagens aos três médicos cientistas viticastrenses.
O desenho do monumento-glorieta é assinado pelo senhor Adolfo Marmelo, que como acima se disse dourou as letras que formam as palavras das informações biográficas e bibliográficas dos homenageados.
Bibliografia consultada - “Três médicos cientistas naturais de Castelo de Vide” P. M. Laranjo Coelho
Desenho do monumento da autoria de Adolfo Marmelo – cortesia dos serviços técnicos da CMCV
Fotografias da inauguração do monumento - “arquivo fotográfico Geraldo Calha”
Outras fontes de informação – conversas informais com o meu amigo senhor Mário B. Rainho.
Uma palavra de agradecimento para o Dr. Rui Bengala do gabinete CLDS 3G Castelo de Vide pela edição da imagem do desenho.
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