24 de junho de 2007

José Luis Porfírio aprecia no Expresso
a pintura de Augusto Rainho

A edição do Expresso deste fim-de-semana inclui, no Actual (página 43), um texto de José Luis Porfírio sobre a pintura e a obra de um “cão vadio” norte alentejano que dá pelo nome de Augusto Rainho e é nosso conterrâneo e amigo.
A oportunidade é a exposição de pintura intitulada “Cão vadio nas terras do ainda” que Augusto Rainho tem patente desde meados de Maio e até ao dia 1 de Julho em Portalegre, no Museu da Tapeçaria - Guy Fino.
Pela sua importância e oportunidade publicamos a seguir integralmente o referido texto que se intitula “Celebração do Fim”.
© NCV

Celebração do Fim
De há muitos anos já que conheço um cão vadio que costuma andar á solta pelo nordeste alentejano, dessa vadiagem a pé, de carro, e de bicicleta, restam-nos vestígios múltiplos: fotografias, desenhos e pinturas, tudo memórias de um corpo atravessando um espaço, vivendo, pasmado, a beleza e a transitoriedade do mundo, sobretudo no que diz respeito ás marcas que nós, homens, deixamos inscritas num espaço cada vez mais selvagem, isto quando não somos nós os destruidores.
Augusto Rainho é o nome deste pintor e fotógrafo e professor e designer que nasceu, vive e trabalha, por aposta, por vocação e por destino, em Castelo de Vide zona de múltiplas fronteiras: entre a planície e a montanha, entre o Alentejo e as Beiras, entre Portugal e Espanha e, de um modo muito visível, entre duas culturas a rural e a suburbana que vai esmagando e sufocando este pais com banalidade brutal e crescente.
É este o território onde o “cão vadio” quotidianamente se acha e se perde. A exposição desta vez é de pintura e define, quadro a quadro, um breve percurso entre algum ruído e o silêncio, o ruído está representado por uma longa pintura “Vida de Cão” (105x420 cm), representando de um modo tão eficaz quanto discreto (o quadro pertence a um lar da terceira idade) o tema tradicional das quatro idades da vida, com a informação figurativa necessária e suficiente para as identificar; o silêncio vem pela figura vertical das flores silvestres caligrafadas, efémeras tal como elas são e continua pelas “paisagens do ainda”, territórios apenas ocre e cinza, memórias de ruínas que são, sobretudo, vestígios de vestígios.
Neste percurso a pintura abandona toda e qualquer narratividade para se assumir cada vez mais como presença de uma ausência futura e, no entanto, ela é inventada a partir do que resta da paisagem…ainda, como diria o seu autor, a cor vai desaparecendo e o espaço não é mapa ou percurso mas sim anotação dessa presença cada vez mais ténue, assim a pintura de A R é uma assumida sobrevivência dela própria a caminho do seu próprio limite.
O lirismo que também habita estas flores e estas paisagens, é real mas enganador, não estamos perante uma celebração encantada e acrítica do retorno do mesmo, mas no limite, ou na fronteira, desse mesmo lirismo, celebração do fim lá onde o recomeço, se recomeço houver, é a maior das incógnitas e a consciência sofrida da mudança a mais crua realidade.

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