30 de agosto de 2015

Fonte do Montorinho, pataratas e pichilins

Após nos termos dessedentado, nestes dias ainda muito quentes, enxugamos com o dorso da mão a água que nos ficou a escorrer pelo  queixo abaixo, levantamos o olhar e deparamos com uma discreta mas útil placa onde estão inscritas algumas notas arquitetónicas, o enquadramento histórico, aqui e ali um laivo de poesia, tudo respeitante à fonte pública onde acabamos de beber. Aqui para nós, que ninguém nos lê, que contraste com aquele enorme e inestético painel eletrónico colocado à entrada da praça de D. Pedro V que artificializa e conspurca a beleza daquela praça. Adiante, pois é sobre a fonte do Montorinho que vou divagar um pouco. Lendo a informação respeitante a esta fonte ficamos a saber que se ergueu no ano de 1889. Portanto, nos últimos anos da monarquia portuguesa quando os dois partidos políticos de inspiração monárquica, o progressista e o regenerador se alternavam na governação do reino de Portugal, num período de grande efervescência política, que apelidaram de rotativismo. E por cá, na nossa terra como foram esses tempos? Passo a transcrever “…Castelo de Vide é muitíssimo bonito. Seria quase o céu se não fosse a maldita política. Há aqui pichilins e pataratas como chamam aos regeneradores e progressistas, que não pensam nem falam desde pela manhã até à noite, senão em política, política sempre. A política ocupa tanto esta gente que apesar de Castelo de Vide ser uma vila muito pequena, não há aqui intrigas, excetuando as intrigas políticas. A eleição de Juiz de uma irmandade é aqui bastante caso para remexer a vila toda. No outro dia puseram fora da Misericórdia os pataratas todos; mas eles prometeram vingar-se. Provavelmente na primeira reunião de qualquer irmandade põem fora dela todos os pichilins. …”excerto de uma carta, datada de 21 julho 1878, que D. João da Camara escreveu a um seu tio, e que constitui uma  sucinta mas assertiva análise sociopolítica de Castelo de Vide desses tempos. Assim sendo, os castelovidenses de então, com o espirito crítico e satírico que os caraterizava, logo atribuíram, à divindade grega que ornamenta a fonte, o Posídion, seja ao menino e ao peixe, um simbolismo carregado de sátira política. O menino representava um progressista (patarata) a ameaçar com o seu tridente um peixe que simbolizava um regenerador (pichilim).
O nosso Posídion
Chuvas torrenciais, ventos fortes, menos vezes saraivadas, leves, mas frios, flocos de neve, todas estas intempéries tem fustigado, ao longo destes cento e vinte e seis anos, o nosso Posídion. Quando chega o verão suporta calor abrasador, isso é que lhe deve custar pois ele é uma divindade mais avezada às friagens do mar, mas anos houve que o compensaram dando-lhe a primazia de ficar no centro dos arraiais dos santos populares. Apesar de tão desprotegido ele lá continua no cimo do seu pedestal, qual guardião da boa água que corre nas bicas da sua fonte, que o próprio a deve ter feito brotar das entranhas da serra. Pois dizem os entendidos em mitologia grega que Posídon  além de outros grandes, e às vezes tenebrosos, poderes faz brotar água do solo, a que fez brotar do nosso é da boa e da melhor. A mim, afigura-se-me que o menino o tal de Posídon, chamemos-lhe então o patarata, já devia ter ouvido rumores que já se conspirava contra a monarquia numa quinta ali para os lados da Cozinheira, nas arcadas do Manel Marques, na Carreira de Cima na farmácia do Nascimento. Por isso, deteve no último instante o tridente que tencionava espetar no peixe o “pichilim” ambos sabiam que já não valeriam a pena tão violentas lutas, a República já se aproximava, e a passos largos. © João Calha/NCV (texto e fotos)

Sem comentários: