20 de março de 2016

Fotografia de Domingo de Ramos

O pai de Maria da Alegria chegou à porta de São João. À arreata, traz, uma mula onde vem sentada a sua esposa e um burro que alomba com a filha.
Como, por ali, não houvesse um bataréu teve de ajudar a mulher a apear-se, a cachopa, essa, foi lesta a desmontar, o que surpreendeu o pai, mas não a mãe que bem entendeu aquela ligeireza, tinha pressa de chegar… 
O homem prendeu as montadas a uma argola na casa de um seu compadre, atravessaram o largo do Monte dos Sete em cadência rápida marcada pela filha. 
No largo do Ourives, como bons cristãos que eram, detiveram-se a ver passar a Procissão dos Ramos que celebra a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém. Tal como Maria da Alegria entrou hoje em Castelo de Vide, também Jesus Cristo tinha entrado na cidade santa montado num jerico, e nas duas circunstâncias as pessoas empunhavam ramos de oliveira e alecrim. Logo que a procissão passou a família separou-se. 

O chefe foi à taberna do Favas para acertar umas contas da venda de azeitona e molhar a garganta, pois vir a pé desde o Barregão até à vila dá sede, de mais a mais, sempre a ousiar a filha e a dele, a mula onde esta vinha era espantadiça, não fosse o diabo tece-las e a patroa enrolar o estojo. 
A mulher seguiu para as encruzilhadas a visitar uma tia que ultimamente não estava a passar bem. 
Maria da Alegria tinha encontro marcado com as outras raparigas do rancho de trabalhadoras agrícolas do monte da Lameira. Mas antes, haveria de ter um outro encontro, bem mais desejado, com o seu namorado que já a esperava encostado às grades do lajeado. Avistaram-se ao mesmo tempo, ele começou a descer as escadas para a praça de D. Pedro V, ela reparou no volume do seu vulto que até fazia proeminência no bolso esquerdo das calças, estava ansiosa, pela primeira vez ia receber esta dádiva com que os namorados presenteiam as namoradas no Domingo de Ramos. 
O namoro durava tanto como este tempo da Quaresma, tinha começado no baile de terça-feira de Carnaval, e o seu namorado, pelo que se estava a ver, iria deixa-la bem consolada. 
Assim foi, o rapaz tira do bolso das calças um papeluço que entrega a Maria da Alegria, que um tanto envergonhada aceita a oferta e vai ter com as companheiras. Encontrou-as, encantadas, frente à tenda do ourives a amiudar as peças de ouro expostas naqueles panos de veludo preto. 
Estavam, finalmente reunidas, só faltava o Zé Patacas, capataz daquele rancho, tinham combinado tirar, naquela manhã, uma fotografia no fotógrafo ambulante da feira. O Patacas chegou, mas não trazia boas notícias, o retratista não tinha vindo à feira, foi o desapontamento total no grupo. 
Para desanuviar a Maria da Alegria lá foi adoçando a boca das companheiras, serviram as amêndoas do vulto que tinha acabado de receber. Deram uma volta por ali a ver as barracas, na dos brinquedos o Zé Patacas comprou as feiras ao sobrinho Ângelo, uma corneta de barro, o cachopo soprava, soprava mas nada, da campânula de tal instrumento não saia qualquer som, estava visto, ainda não tinha embocadura para tal instrumento, optou-se por um pífaro pintadinho de branco com uns anéis verdes e encarnados e, assim ficou contente na mesma. 
Mas o capataz já a trazia fisgada e enfeirou, para ele, uma pequena mas bonita caixinha de cartão de cor verde com a gravura de uma minhota estampada e com os dizeres “fado português”, abre a caixa e dela retira uma reluzente gaita de trinta e duas vozes. Que maravilha! 
Estavam todas a apreciar a compra do Patacas quando Ana teve uma ideia que deu nova alma ao grupo, a de irem à rua de Alfândega, ao senhor Calha, tirar a fotografia, foi ele quem tirou as do seu casamento e bem bonitas ficaram.
Aquilo foi dito e feito, toca a subir o Montorinho até ao número oito da rua de Alfândega. Quando lá chegaram o senhor Calha que além de fotógrafo era também, e esta era a sua principal ocupação, funcionário dos C.T.T., estava ao telégrafo a expedir uns telegramas. 
Porque era Domingo a estação encerrava ao meio dia, já faltava pouco. Os relógios a deixar ver, no mostrador, só o ponteiro dos minutos na vertical a ocultar as doze, e todos sobem ao “estúdio”. As mais baixas à frente, o Ângelo ao colo da mãe, atrás as mais altas com o Zé Patacas quase no meio.
Iluminação ligada, atenção não se mexam, cinco segundos, contados mentalmente, entre o destapar e o tapar da objetiva. E pronto, aqui está a fotografia que ficou para a posteridade.
João Calha
Os meus agradecimentos para as senhoras, da rua mais genuína de Castelo de Vide, a da Costa: D. Benta Reis e D. Olívia Raposo, doravante mais pobres porque privadas do convívio da sua vizinha Catarina Busca que, há poucos dias, Deus chamou a si. Da mesma forma agradeço à D. Cesaltina Boto. (As senhoras aqui nomeadas são quatro das que, quando ainda jovens, posaram para esta foto no Domingo de Ramos de 1950).
Na outra fotografia vê-se o fotógrafo e funcionário dos C.T.T. a trabalhar, na valência da segunda letra da sigla, ou seja, no telegrafo.

Sem comentários: