Bela manhã de Outono, o senão é que não chove, a seca prolonga-se. São dez horas da manhã. Saio de casa com o propósito de ir à papelaria de Santa Filomena, não para comprar qualquer artigo dos que lá se vendem, mas o de inscrever o meu agregado familiar na visita ao património que o GACV tem agendada para o dia dezoito deste mês.
Chegado ao meu destino bato com o nariz na porta, lá voltei a meio da tarde, nada feito a porta da loja da “Fátinha” (assim a tratam os fregueses mais jovens) continuava fechada. Provavelmente qualquer motivo de força maior impediu-a de abrir. Vim depois a saber que a papelaria em questão esteve, nesse dia, em processo de deslocalização. Está agora ao dispor dos seus clientes no nº 13 da Carreira de Cima. Aí fui uns dias depois, ao franquear a porta de entrada veio-me à memória um cartaz com a fotografia do general Humberto Delgado o “general sem medo” que ali foi colocado por outro homem, também ele sem medo: José Maria Oliveira, assim era o seu nome, estabelecido naquele espaço com uma oficina de sapateiro e aluguer de bicicletas, decorria o ano de 1958, em período de campanha eleitoral para a presidência da república.
Ainda em retrospetiva mas avançando umas décadas, no mesmo rés-do-chão se instalou o Sr. Manuel Joaquim Serra Conchinha com uma alfaiataria, (a fotografia que se publica, do saudoso mestre alfaiate empunhando a sua tesoura, é datada de Janeiro de 2009).
Dia dezoito de Novembro outra bela manhã e chuva nem rasto dela. Acabam de ser ocupados os últimos lugares do autocarro, a presidente da direção do GACV Drª Maria do Carmo dá-nos as boas vindas. Cá vamos nós, aos cuidados do homem do volante senhor Pedro Tomé, até Belver. Primeira paragem no Gavião (de Abrantes como, por cá, dantes se dizia), para um café e satisfazer uma mais ou menos premente necessidade.
Chegados ao nosso destino, apeamo-nos no largo Luiz de Camões onde a placa toponímica informa que o poeta aqui viveu no ano de 1547. Sem mais demoras a comitiva sobe a escadaria até ao castelo. O nosso cicerone, um jovem bem disposto, espera-nos para nos guiar na visita. Uma por outra informação complementar ou mais especializada é dada pelo arqueólogo e vice presidente do GACV Dr. Nelson Almeida.
Entramos na capela de São Brás, frente ao retábulo a Drª Maria do Carmo recita um pai nosso em memória dos sócios do grupo de amigos que já nos deixaram, todos a acompanham na oração.
Ponte de Belver a montante, barragem a jusante: é deslumbrante o panorama que se avista da torre de menagem. A glicerina já está a liquefazer em banho Maria, a Maria João acrescentou-lhe umas gotinhas de essência de morango e outras, poucas, de corante, verte esta mistura numas formas, é só deixar arrefecer, desenformar e temos um ecológico sabonete artesanal. Esta alquimia está a acontecer no interativo museu do sabão que “ recorda a Memória coletiva dos Saboeiros de Belver”.
Vamos ao património gastronómico, que a barriga já está a dar horas, restaurante “O Castelo”, já estão postas duas mesas corridas para os que vieram de Castelo de Vide abancarem. Aperitivos e sopa vulgares, prato principal fritada de peixe do rio, lúcio-perca e barbo (o sável ainda anda em águas profundas no mar, só lá para Março chegará ao Tejo) acompanhada com acorda de ovas. Gostaria de ter umas papilas gustativas treinadas e sólidos conhecimentos de culinária como tem José Quitério aquele crítico de gastronomia que escrevia para o jornal “Expresso”. Mas não tenho, e assim mesmo confesso que peixe e acorda me souberam muito bem. Para sobremesa tigelada que também gostei.
Ao sairmos do restaurante ficamos a contemplar um cato de grande altura que está num quintal mesmo em frente, uma moradora naquela rua informa-nos que aquela planta causa espanto aos forasteiros que por ali passam e é, por isso, muito fotografada, também nos diz que tem a particularidade de só florir de noite. Dou voltas à cabeça para me lembrar onde é que vi ou li caso semelhante. Ah! Já sei, a árvore triste, colóquio sexto “ Coloquio dos Simples…” de Garcia de Orta.
Para facilitar a digestão do almoço já vamos caminhando por uma estrada de terra batida, como que em romagem até à anta do Penedo Gordo. Lá chegados tivemos aula prática de arqueologia dada pelo arqueólogo Dr. Nelson Almeida, como já disse, nosso companheiro nesta visita ao património.
Próximo destino “Núcleo museológico das mantas e tapeçarias de Belver” somos esperados pela D. Olga que nos convida a entrar, começa por fazer um historial da fabrica de tecelagem centrado na figura da sua fundadora Natividade Nunes da Silva. De seguida um pequeno vídeo sobre o ciclo do linho. A curadora põe tal paixão e entusiasmo na sua exposição que nos predispõe para redobrado interesse e atenção para o que iremos ver de seguida. Dois teares de pedais num deles uma senhora vai tecendo um pano de linho, fio para cá fio para lá este por cima o outro por baixo assim se vão tecendo e perpetuando memórias.
Para finalizar “ um biscoito escaldado de honra” à beira Tejo na praia do Alamal. Ala que se faz tarde, aos seus lugares no autocarro rumo a Castelo de Vide. Invade-me uma tristeza por este passeio estar quase acabado mas… silencio que lá à frente o companheiro Soldado canta o fado. Já dentro do perímetro urbano da nossa vila, após ter contornado a rotunda da “Shell” o Paulo Tomé exprime a sua satisfação por nos trazer de volta a porto seguro e termino, precisamente, com palavras suas “às vezes não é preciso ir muito longe para ver algo que mereça a pena”.
Castelo de Vide, Novembro de 2017
João Calha
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