Passam hoje dia 29 de Março 500 anos desde a data em que El-Rei D. Manuel I concedeu
um novo foral à Vila de Póvoa e Meadas.
Para assinalar a efeméride, o NCV publica hoje aqui um artigo que
solicitou ao historiador local, Jorge Rosa, e que será também publicado na edição
impressa relativa ao mês de Abril.
500 anos do Foral de Póvoa e
Meadas
No dia 29 de Março
de 2011 passam precisamente 500 anos desde que D. Manuel outorgou, em Lisboa,
um novo foral à vila de Póvoa e Meadas. A concessão deste foral inseriu-se no
vasto movimento de reforma dos forais ordenado pelo rei Venturoso. Com tal
reforma pretendia o Rei conseguir dois objectivos fundamentais: normalizar,
tanto quanto possível, os direitos e deveres de senhorios e foreiros, por forma
a assegurar uma melhor e mais eficaz Administração Pública e corrigir os muitos
abusos dos senhorios que, ao longo dos anos foram adulterando as normas porque
se regiam os seus domínios e de que o Povo, através dos seus representantes às
Cortes, insistentemente se queixava.
O resultado desse
gigantesco trabalho foi compilado no Livro de Leitura Nova de D. Manuel, assim
chamado porque foi escrito num novo tipo de letra de mais fácil leitura e que
evitava interpretações abusivas do articulado dos forais. Nessa compilação não
estão os originais completos dos documentos mas, tão só, um enunciado ou
sumário dos capítulos alterados ou acrescentados sobre o primitivo articulado.
Do primeiro foral
da vila da Póvoa nada sabemos, mas, pela leitura deste novo foral, ressalta
evidente que terá existido um anterior e que, entre outras disposições,
estabelecia regras para os chãos e
hortas particulares, para as casas dos moradores da vila, para o uso dos fornos
e para o regime de exploração do Mato da Póvoa.
Embora o novo foral
se refira à vila de Póvoa e Meadas não deixa de assinalar que havia um estatuto
diferente entre a Póvoa e as Meadas, continuando estas, a serem consideradas
reguengo da Coroa. E é, talvez, por causa deste pormenor diferenciador que
sabemos bem mais sobre os primeiros forais das Meadas do que sabemos da Póvoa.
Vale, pois, a pena, recapitular o que chegou até nós desses primitivos
forais.
O primeiro foral de
que há memória foi concedido por volta de 1243/5 pelo Infante D. Fernando,
quarto filho do Rei D. Afonso II, que ficou conhecido pelo cognome de Infante
de Serpa na sua qualidade de Governador da Beira, cuja jurisdição se estenderia
até esta região do actual Alto Alentejo. A referência a este foral surge no
contexto de um conflito, arbitrado por D. Afonso V em Setembro de 1466, que opôs Pedro de Moura,
donatário das vilas da Póvoa e das Meadas, ao Concelho de Castelo de Vide sobre
o direito dos lavradores desta vila poderem agricultar nas terras das Meadas.
No decurso da apresentação de argumentos de parte a parte, o Concelho de
Castelo de Vide juntou ao processo uma cópia do foral dado aos moradores das
Meadas pelo «Infante Dom Fernamdo filho delRei Dom Afomsso, que foy destes
Regnnos».
A sentença de D.
Afonso V informa-nos que o donatário receberia: «de todo o pam, vinho, linho cebollas alhos que hy colhessem ... de
ssete huum em paz e em ssalvo em cada huum anno». Daqui podemos concluir
que naquela época haveria na Meada um conjunto de casais com capacidade para
manter uma actividade agrícola que incluía o cultivo de cereais, vinha e
algumas hortas. O foral inseria-se na política de povoamento desta região
fronteiriça. Apesar dos vestígios arqueológicos da zona: o famoso Menir da
Meada, a represa romana da Tapada Grande, as lagariças e sepulturas escavadas
na rocha e os safurdões revelarem uma ocupação humana, praticamente contínua,
desde o neolítico até à Idade Média, a verdade é que as sucessivas guerras e,
em particular a Reconquista, terão despovoado muitas regiões.
Se tivermos em
conta os forais dados às localidades desta região do actual Nordeste
Alentejano, somo levados a concluir que o foral da Meada é dos primeiros a ser
outorgados e se excluirmos as iniciativas associadas às Ordens Militares, será
mesmo o segundo foral conhecido nesta zona. A lista de forais das terras
vizinhas é a seguinte: 1126 Marvão (D. Sancho II), 1229 - 1232 Nisa (Mestre dos
Templários Frei Estêvão de Belmonte), 1232 Crato (Prior do Hospital D. Mem
Gonçalves), 1243 – 1245 Meadas (Infante D. Fernando), 1255 Arronches (D. Afonso
III), 1256 Amieira (Prior do Hospital D. Gonçalo Viegas), 1310 (D. Diniz) e
anterior a 1342 Montalvão (Mestre da Ordem do Templo).
O segundo foral das
Meadas foi concedido em 23 de Julho de 1310 (1348 da era de César), pelo
Infante D. Afonso, segundo filho de D. Afonso III e irmão do Rei D. Diniz. E
sabemos por César Videira, autor da monografia Memória Historica da muito notavel villa de Castello de Vide que se
encontra no tombo da Câmara Municipal de Castelo de Vide.
O Infante D. Afonso
pretendia aumentar o povoamento do seu herdamento
das Meadas e, por isso, dava aos seus moradores e aos que lá se viessem a
fixar aquelas terras, com todas as pertenças e melhorias, mediante o pagamento
da sétima parte de pão (trigo), vinho, linho, dos moinhos (farinha) e pisões
(panos), alhos e cebolas. A forma de entrega de cada um destes géneros era
também determinada do seguinte modo: o trigo era entregue na eira já debulhado
e limpo, o vinho era recolhido já armazenado numa dorna (recepiente feito de
ripas de madeira), o linho só era entregue depois de seco no tendal e os alhos
e cebolas deviam ser enrestados, isto
é, agrupados e unidos em
réstias. Para além destes pagamentos estavam também obrigados
a dar ao Senhorio uma certa porção porção de trigo e capões (galos) que eram
recolhidos pelos seus criados nas casas de cada morador pelo S. Miguel
(Setembro). Era permitido aos foreiros vender as suas terras nas condições
estipuladas no foral desde que o não fizessem a clérigo, cavaleiro ou qualquer
outro homem filho de algo (fidalgo), ordem eclesiástica, judeu ou mouro. Esta
última disposição é bem reveladora do propósito povoador do Infante e, ao mesmo
tempo, defensivo da integridade do seu domínio. E também deixa perceber que a
política de tolerância para com as minorias judaica e muçulmana tinha limites
de forma a assegurar o seu controlo.
Durante mais de 159
anos a vila da Meadas e os seus moradores foram, com mais ou menos conflitos
com os sucessivos senhorios das terras, gerindo autónomamente as suas vidas.
Mas, em 16 de Setembro de 1466
a pacatez da sua existência, começou a mudar. Nessa data
D. Afonso V, faz doação da jurisdição cível e crime da vila das Meadas e seu
termo a Pedro de Moura, tal como consta na “Chancelaria de D. Afonso V”: «...teemos por bem e damoslhe que elle tenha
dagoremdiante de nos em sua vida a jurdiçom çiuell e crime da villa das meadas
e seu termo de que ho temos pella guisa que a nos tinhamos reservando para nos
a correiçom e allçada »
Pedro de Moura
iniciou, logo que tomou posse das Meadas e também da Póvoa, uma série de iniciativas
com vista a reduzir os custos com a administração das duas vilas. Socorrendo-se
de subterfúgios e falsas informações acerca da população das Meadas e do seu
real rendimento logrou convencer o Rei D. Afonso V a conferir-lhe a jurisdição
das vilas de acordo com os seus interesses. Em 1469 alegando a escassez de
moradores nas Meadas, faz um pedido ao rei para juntar a jurisdição das Meadas
à da Póvoa, já que, como argumentava, aquela vila, ao contrário desta, se
encontrava despovoada, apenas lá residindo temporariamente um mordomo que lhe
tratava da lavoura. O rei, tendo em conta a argumentação de Pedro de Moura, que
invocara também os custos de manter Juízes de Fora para as duas vilas, concede
a que a jurisdição das Meadas passe a depender da Póvoa, passando os juízes,
alcaides, vereadores e almoçaté a exercerem nas duas vilas.
Estava assim dado o
primeiro e decisivo passo para juntar as vilas da Póvoa e das Meadas, junção
essa, que viria a ser oficialmente confirmada no Foral de D. Manuel de 1511 onde
se diz: «... este foral dado à nossa
villa de Póvoa e Meadas ... ». Podemos, então, considerar que se deve a
Pedro de Moura a fusão das duas vilas da qual resultaria a actual designação da
nossa terra.
E assim chegámos ao
foral de D. Manuel que agora comemoramos.
O foral de Póvoa e
Meadas vigorou até 13 de Agosto de 1832. Nesse data foi publicada a chamada
‘Lei dos forais’ da autoria do ilustre estadista castelovidense Mouzinho da
Silveira que aboliu todos os forais outorgados por reis ou donatários. Na
prática, porém, continuaram a pagar-se foros na Póvoa até ao início do século
XX, só sendo definitivamente extinto com a venda dos bens do Conde de Linhares
seu último donatário.
Jorge Rosa
1 comentário:
Muito interessante artigo para assinalar a efeméride. Obrigada por partilhares tanta informação sobre o processo de ligação das Meadas à Póvoa. De certo modo,como explicas, passam hoje 500 anos sobre a data de assinatura do Foral mas também sobre a própria denominação de Póvoa e Meadas. Um abraço,
Ana Patrício
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