16 de fevereiro de 2019

Diário de Notícias: Festival Andanças absolvido no incêndio que atingiu 458 carros

© Pedro Rocha-Global Imagens/NCV
O Tribunal da Relação de Évora absolveu a organização do Festival Andanças e a seguradora Caixa Agrícola Seguros num processo movido por uma participante, cujo pedido foi reconfirmado como improcedente no final do passado mês de Janeiro. 
Um outro processo está ainda em curso no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco com um grupo de 60 lesados e 3 companhias de seguros (direitos de regresso) que reclamam 831 mil euros à Associação PédeXumbo, à Câmara Municipal de Castelo de Vide e à seguraora do Festival; as contestações das entidades rés já foram entregues e o processo deverá ir para julgamento nos próximos meses.
A seguir publicamos a seguir a notícia completa do Diáro de Notícias de ontem dia 16 de Fevereiro. © NCV

Organização cumpriu os requisitos legais e não tem responsabilidade nos danos causados pelo fogo, conclui tribunal em resposta a um processo movido por lesada cujo carro foi atingido pelo incêndio em 2016
A organização do Festival Andanças e a seguradora do evento foram totalmente absolvidas de responsabilidades nos danos causados no automóvel de uma participante na sequência do incêndio que deflagrou em 2016 no parque de estacionamento em Castelo de Vide em que foram destruídos ou afetados 458 automóveis. A decisão judicial foi proferida no ano passado no Tribunal Cível de Portalegre e agora confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora após recurso da autora do processo, uma professora de música que teve danos a rondar os mil euros na sua viatura.
Estas são as primeiras decisões de tribunais sobre a responsabilidade civil das entidades organizadoras, após o inquérito-crime ao incêndio ter sido arquivado em 2017 pelo Ministério Público, dado não ter sido possível apurar qual foi a fonte de ignição. Há um outro processo a correr no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco em que um grupo de 60 lesados e três seguradoras reclamam uma verba de 831 mil euros à associação PédeXumbo (organizadora do festival), à Câmara Municipal de Castelo de Vide e à seguradora da Caixa de Crédito Agrícola. Segundo João Carlos Lage, advogado do Andanças, estes são os únicos processos que correm em tribunal. Ambos visam a responsabilidade civil de entidades de organização.
Este processo movido por uma professora de música que estava no festival com a filha menor correu desde 2017 no juízo cível de Portalegre onde, no ano passado, o pedido da lesada foi considerado improcedente, por não ser possível imputar qualquer responsabilidade de culpa às rés, decisão agora confirmada em acórdão de 31 de janeiro pelo Tribunal da Relação de Évora. Os juízes consideram que a organização cumpriu todos os requisitos de segurança que eram exigidos e como não é possível saber como se iniciou o fogo os tribunais absolvem por completo a Pédexumbo e a seguradora. A autora do processo teve um prejuízo de 975 euros no carro, 300 em despesas e ainda pedia uma indemnização por danos não patrimoniais de 50 mil euros.

"Um incêndio que ocorre dentro de um parque de estacionamento afeto a um recinto onde decorria um festival de dança e música não ocorre no âmbito da atividade do festival, pois o parqueamento resulta de mera cortesia ao participante, o que não significa que o veículo passe a estar confiado ou à guarda da organização do evento", resumem os juízes desembargadores da Relação de Évora, na análise a um dos pontos do recurso em que a autora recorria ao artigo 503 do Código Civil, referente a acidente causados por veículos. "Trata-se da responsabilidade pelos danos causados pelos próprios veículos, sendo que, no caso, não se apurou que o incêndio tivesse tido origem num veículo", justifica o tribunal.

Plano de segurança funcionou

Nesta perspetiva, a organização seguiu todos os passos exigidos, dizem os tribunais. Da sentença de Portalegre ficou dado como provado que o" estacionamento era de acesso livre ao público e gratuito, sem controlo de entradas e saídas" tendo sido "criado essencialmente por imperativos de segurança para prevenir a obstrução da estrada principal que dá acesso ao local, devido ao afluxo previsto de milhares de pessoas, no período do festival". A organização delineou um plano de segurança, apresentado às autoridades competentes - Proteção Civil, Câmara Municipal de Castelo de Vide, Delegado de Saúde Local, GNR, PSP, e bombeiros locais - antes da realização do festival. "Sem que qualquer uma de tais entidades tivesse apresentado qualquer dúvida, nota, sugestão ou reserva sobre o mesmo", nota o juiz.
Nesse plano, apontava-se que o "período entre as 14h e as 19h como o de maior risco de incêndio rural na envolvente do recinto do festival, sendo esse risco classificado como elevado", com os estacionamentos a serem "considerados como um dos pontos perigosos, ou seja, representavam um grau de risco associado mais elevado". O tribunal diz que a organização colocou dez bocas de incêndio, duas das quais junto dos estacionamentos, e cumpriu todos os restantes procedimentos legais de meios de emergência, concluindo que "todas estas medidas previstas no referido Plano de Segurança estavam implantadas e a funcionar no momento do sinistro".
O terreno em causa é particular e foi cedido à Câmara Municipal para os estacionamentos. Ficou também provado que uma equipa de Sapadores limpou o terreno mas já não ficou provado que a vegetação cortada tivesse ficado no chão ou que a organização tivesse colocado palha no chão para evitar o pó.
Para o advogado do Andanças, a decisão é justa. "A organização cumpriu as regras que eram exigidas pelo plano de segurança, e deve haver poucos planos de segurança tão rigorosos como este, e pelas entidades que o fiscalizaram", disse ao DN João Carlos Lage, referindo que recorreram a peritos como Xavier Viegas e outros para procurar apurar as circunstâncias do incêndio. E não se conseguiu saber a fonte de ignição. Este foi um incidente raro, "talvez o maior de sempre na Europa" com um incêndio em cadeia a atingir tantas viaturas, com a nossa jurisprudência a exigir culpa e facto causador para se poder responsabilizar alguém o que, no entender do advogado, aqui não se verifica. Realça ainda que dos mais de 450 atingidos, a maioria deles eram voluntários ou pessoas ligadas ao festival. Daí apenas existirem estes 61 lesados em tribunal. "Muitas pessoas perceberam que isto foi um acontecimento imprevisível e sem responsabilidade da organização." Outras tinham seguros com cobertura contra riscos de incêndio.

Mais 60 lesados em tribunal

Opinião diferente tem Pedro Proença, advogado que representa o sindicato de 60 lesados e três seguradoras, que pagaram já coberturas contra todos os riscos mas querem agora reaver o dinheiro. "Vamos apresentar um conjunto de prova que demonstra que não houve limpeza correta do espaço - a erva seca foi cortada mas ficou no local -, que havia um alerta para o risco elevado de incêndio, que no plano de segurança não foram cumpridos vários requisitos legais, que o parque estava fechada com um cadeado, entre outras", disse ao DN. Do início da ação no Tribunal Administrativo de Castelo Branco (movido nesta instância por envolver uma entidade pública, a Câmara de Castelo de Vide), já "houve algumas desistências" destes lesados de diferentes pontos do país. O processo deve ir para julgamento nos próximos meses, já que as contestações das rés já foram entregues.
O Andanças é um festival de música e dança promovido pela Pédexumbo. Em 2016, numa área de 28 hectares nas margens da albufeira de Póvoa e Meadas, no concelho de Castelo de Vide, tinha milhares de portugueses e estrangeiros presentes quando a meio da tarde do dia 3 de agosto, pouco antes das 15.00, um incêndio deflagrou num dos parques de estacionamento. Em menos de três horas, as chamas atingiram total ou parcialmente 458 viaturas.
Em fevereiro de 2017, o MP arquivou o inquérito por não ter conseguido apurar as circunstâncias concretas em que o fogo ocorreu. "Realizadas todas as diligências, não foi possível apurar quaisquer indícios que permitissem concluir que o fogo tivesse sido ateado de forma deliberada ou intencional", conclui o MP, pelo que "também não foi possível recolher indícios que permitissem apurar as circunstâncias concretas em que o mesmo ocorreu, nem a eventual responsabilidade negligente de alguém." (David Mandim)

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