Obras nas calçadas do centro histórico envoltas em polémica. |
Autarquia substituiu calçadas medievais por lajes de granito e asfalto. Direcção Regional da Cultura do Alentejo já se queixou à Inspecção-Geral de Finanças.
A Câmara de Castelo de Vide está a remodelar algumas calçadas no centro histórico e caminhos medievais desta vila do norte alentejano, desde há cerca de um ano, substituindo o pavimento tradicional de pedras amarelas e vermelhas, por asfalto ou lajes e paralelepípedos de granito.
Contudo, as obras têm sido feitas sem consulta prévia à Direcção Regional de Cultura do Alentejo e, nalguns casos, contrariando as orientações deste organismo, o que já motivou uma queixa à Inspecção-Geral de Finanças.
A forma como as obras nos arruamentos estão a ser feitas, e também a utilização de granito, alegadamente, importado da China, em detrimento da pedra da região, tem sido objecto de queixas de alguns munícipes.
Comentando a alegada "descaracterização" do centro histórico da vila, António Pita, vereador na Câmara de Castelo de Vide, garante que é "absolutamente falso" que o município tenha retirado o empedrado tradicional de caminhos medievais, mas diz que essas calçadas "foram recentemente valorizadas com a criação de percursos pedestres", criados para "ampliar e qualificar a oferta turística", e com a instalação de "passadeiras pedonais".
A realização destas intervenções, argumenta, teve lugar em arruamentos com uma inclinação bastante acentuada, de modo a acautelar a segurança de pessoas idosas ou com mobilidade condicionada, que "apenas mendigam uma passadeira pedonal que melhor os conduza à mercearia ou ao centro de saúde". O objectivo, assegura, foi o de eliminar barreiras à circulação dos peões.
Quanto à proveniência do granito aplicado nos arruamentos do centro histórico, António Pita garante que as lajes usadas "são de granito amarelo da região", negando que sejam importadas da China.
Os críticos da actuação municipal, que pedem para não ser identificados, refutam as vantagens das novas passadeiras e dizem já ter testemunhado como "algumas pessoas idosas, em dias de chuva, escorregam nas placas por serem demasiado lisas", para além de se "partirem com facilidade."
Em declarações ao PÚBLICO, a directora regional de Cultura do Alentejo, Aurora Carapinha, fez notar que a Câmara de Castelo de Vide "não informou" a direcção regional de quaisquer obras executadas em caminhos e calçadas medievais, "nem solicitou parecer" para as fazer.
Esta professora da Universidade de Évora, e arquitecta paisagista, observa ainda que o município se encontra sujeito, nas operações urbanísticas que realiza, "à observância das normas legais e regulamentares aplicáveis", sempre que esteja em causa o regime jurídico de protecção do património cultural.
Aurora Carapinha confirma que a Direcção Regional da Cultura foi "alertada" por uma munícipe, em Abril de 2012, para a execução de obras de repavimentação, com asfalto, no caminho medieval de Santo André que, apesar de "não estar abrangido por servidão administrativa relativa ao património cultural", era fundamental preservar, dada a "singular importância" deste património.
Os serviços regionais do Ministério da Cultura procuraram então sensibilizar os responsáveis autárquicos no sentido de "compatibilizar a salvaguarda do caminho medieval com os interesses da edilidade, comprometendo-se a dar apoio técnico, mas, segundo a sua directora, "não houve qualquer resposta do município" à proposta que lhe foi endereçada.
A "não-audição" da Direcção Regional da Cultura, por parte do município de Castelo de Vide, "tem sido uma constante em todas as alterações de calçadas abrangidas por servidão de interesse cultural", frisa Aurora Carapinha, destacando as intervenções que já foram realizadas na Rua da Judiaria, Rua do Mercado, Rua da Costa, Rua de Baixo, Carreira de São Tiago, Rua de Santa Maria e Rua de 5 de Outubro. As obras ali realizadas não foram precedidas do parecer da direcção regional, que é vinculativo, e a autarquia está obrigada a solicitar sempre que pretenda levar por diante qualquer alteração nas calçadas abrangidas por zonas de protecção de elementos patrimoniais classificados.
Nas situações detectadas onde ainda decorriam trabalhos de alteração das calçadas (Rua do Mercado e Rua da Judiaria), Aurora Carapinha diz que a Câmara de Castelo de Vide foi alertada, "de imediato", para os impactos negativos dessas intervenções, tendo sido ordenada a interrupção das obras. Também neste caso, garante, as "intervenções prosseguiram, sem autorização, e sem ter havido qualquer resposta" às notificações enviadas pela Direcção Regional de Cultura ao município.
Face "às reiteradas intervenções não-autorizadas" em zonas de protecção e aos "constantes incumprimentos" das normas legais, a situação foi comunicada à Inspecção-Geral de Finanças, que herdou em 2011 a competência da antiga Inspecção-Geral da Administração Local.
Na mira dos críticos está também o facto de a autarquia ter decidido identificar o bairro, onde se encontra uma das mais importantes judiarias portuguesas, com uma estrela de David feita de pedras colocadas "junto a bocas de esgoto".
António Pita, vereador na Câmara de Castelo de Vide, rejeita a acusação, afirmando que a gravação da estrela de David foi executada em placas de pedra "junto a passadeiras" de peões, para facilitar a identificação do bairro judeu. O autarca salienta que o embaixador de Israel em Portugal, quando visitou o bairro, em 2011, deixou na fachada da sinagoga uma inscrição onde se diz que "o Povo de Israel releva reconhecidamente a recuperação e valorização da Herança Judaica Sefardita que esta vila tem vindo a realizar."
António Pita acrescenta que o município de Castelo de Vide é membro fundador da Rede de Judiarias de Portugal, de que é presidente, responsabilidade que resulta dos investimentos que o concelho "tem vindo a efectuar em prol da valorização da herança judaica".
Carlos Dias
(in Jornal "Público", de 23 de Junho de 2013)
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